sábado, 10 de março de 2018

As roupas que uso são emprestadas:
um estilo ganhado
A biblioteca é de livros alugados:
ideias passageiras
As viagens são feitas de teimosia:
A hospedagem é incerta
Minha casa não é minha:
Os canos vivem entupidos
Sim, sou um capeta endemoniado abrindo espaço em lugares onde dizem que eu não deveria estar. Sou um rasgo no céu, em sismo nas vísceras, uma incompreensível forma de vida desatada em ossos de ferro, carne de ferro, sangue grosso e muito desejo de engolir o mundo.
Palabras soñadas (Leonel Lienlaf  - Poeta Mapuche)

Me adentro
en estos cantos de sueños,
dormitando cerca del fuego
mientras afuera
el viento
hace bailar las montañas

Pewma dungu
Konan tachi ulkantun pewmamu,
düngunpewmamu
chonkitunmew kachill kütral
Wekun ta kürrüf
pürulmekefi mawida
Sentes, Pensas e Sabes que Pensas e Sentes - Alberto Caeiro

Dizes-me: tu és mais alguma cousa
Que uma pedra ou uma planta.
Dizes-me: sentes, pensas e sabes
Que pensas e sentes.
Então as pedras escrevem versos?
Então as plantas têm idéias sobre o mundo?

Sim: há diferença.
Mas não é a diferença que encontras;
Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as cousas:
Só me obriga a ser consciente.

Se sou mais que uma pedra ou uma planta? Não sei.
Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos.

Ter consciência é mais que ter cor?
Pode ser e pode não ser.
Sei que é diferente apenas.
Ninguém pode provar que é mais que só diferente.

Sei que a pedra é a real, e que a planta existe.
Sei isto porque elas existem.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram.
Sei que sou real também.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram,
Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta.
Não sei mais nada.

Sim, escrevo versos, e a pedra não escreve versos.
Sim, faço idéias sobre o mundo, e a planta nenhumas.
Mas é que as pedras não são poetas, são pedras;
E as plantas são plantas só, e não pensadores.
Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto,

Como que sou inferior.
Mas não digo isso: digo da pedra, "é uma pedra",
Digo da planta, "é uma planta",
Digo de mim, "sou eu".
E não digo mais nada. Que mais há a dizer?
de som a som - Paulo Leminski

de som a som
ensino o silêncio
a ser sibilino

de sino a sino
o silêncio ao som
ensino
silenciar.
recorro
ao lânguido
mântrico
grito
sussuro:

ai!
eu não conhecia
o silêncio.
depois que ele se apresentou
descobri que
uma face
dele
fala o bastante
em mim.
sabe, não sei
onde deixei o amor
depois que tudo terminou no começo

sei sim
um trem que passa aqui perto
quando nada mais importa
mais do que ser mesmo
sem dor

escuta
sabe que eu
sei bem quando
te dói, sabe?
tá nos olhos, sabia?

sei não,
andam dizendo que amor
é pra tudo
por todos
pra sobrar

saberia eu
amar? saberiamos quando for
amor?

restarei aqui

tentando.
Um poema bem roubado.

um mundo repleto,
um punhado deles
debaixo do sol: poetas imaturos e poetas ruins.

roubar?
roubar familiares, um caderno
e minha caligrafia
não é o suficiente

um mashup meu, cabeças, é a minha profissão
grotesca e disforme.

roube.
seus pontos fracos e os fortes
serão um bom problema
se eu colocar vida neles.

viva! um mundo repleto,
um punhado deles,
debaixo do sol.