sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

quintal de casa

chagas por todo o corpo
pele podre
dentes sujos
boca amarga
é a festa da carne solta
é a festa da carne fresca
é a festa da carne sórdida
pragas por todo mundo
pêlo prata
gente imunda
lingua ácida
é a festa da gente pobre
é a festa da gente louca
é a festa da gente rouca
sanha sanha sanha
sexo sexo sexo
suor suor suor
três vezes repetido
três vezes repentino
três vezes refletindo
é um nó

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

O MURO (Pedro Kilkerry)
Movendo os pés doirados, lentamente,
Horas brancas lá vão, de amor e rosas
As impalpáveis formas, no ar, cheirosas.. . .
Sombras, sombras que são da alma doente!
E eu, magro, espio... e um muro, magro, em frente
Abrindo á tarde as órbitas musgosas
— Vazias? Menos do que misteriosas —
Pestaneja, estremece. . . O muro sente!
E que cheiro que sai dos nervos dele,
Embora o caio roído, cor de brasa,
E lhe doa talvez aquela pele!
Mas um prazer ao sofrimento casa. . .
Pois o ramo em que o vento á dor lhe impele
É onde a volúpia está de urna asa e outra asa. . .
“Se fizesse silêncio o tumulto da carne…
…e silenciassem as imagens da terra, das águas e dos ares, e até mesmo dos céus, e a própria alma se superasse, não pensando mais em si (silêncio também nos sonhos e na imaginação); se todas a línguas e todos os signos e tudo o que não se produz senão de passagem fizessem silêncio absoluto, pois, se pudéssemos ouvi-los, diriam:
“Não fomos nós que nos fizemos a nós mesmos, e sim aquele permanentemente eterno” e se então se calassem, pois ouriçaram os nossos ouvidos para aquele que os fez, e se ele próprio falasse sozinho, não pelas coisas todas, mas por conta própria, de modo que ouvíssemos o seu verbo, não pela língua da carne ou pela voz dos anjos, não pelo estrondo das nuvens ou o enigma das parábolas, mas por ele mesmo, que amamos em tudo aquilo…”

Décio Pignatari

domingo, 12 de fevereiro de 2017

minha mãe Margarida fez esse cordel sobre uma possível viagem à sua terra natal, Amargosa (BA), depois mais de 40 anos de sua saída sem nunca ter voltado.
Chegando lá me identifico:
Sou Maria, filha de Flávio Francisco e Alzira Santana Ferreira.
Vim buscar minhas origens 
pra prosseguir minha carreira.
Só vocês pra me mostrar onde tudo começou,
minha vida primeira.
De onde vem minhas inquietações de origem,
se é da europa ou de terras indígenas,
qual dessas duas ainda pulsa em mim
como principal herdeira.
É um amor essa Maria Margarida de Ferro <3 span="">
Canção da Estrada Aberta (Walt Whitman)
A pé e de coração leve eu enveredo pela estrada aberta,
saudável, livre, o mundo à minha frente,
o longo atalho pardo à minha frente para levar-me
aonde eu queira.
Daqui em diante não peço mais boa-sorte, boa-sorte
sou eu mesmo.
Daqui em diante eu não lamento mais, eu não adio mais,
Não careço de nada;
acabei com as queixas portas adentro, bibliotecas,
críticas rixentas;
forte e contente vou eu pela estrada aberta.

A terra é quanto basta:
não quero as constelações nem um pouco
mais próximas,
sei que estão muito bem onde se encontram
e sei que bastam para os que a elas pertencem.
(Ainda aqui eu carrego minhas antigas cargas
de delícias;
carrego - mulheres e homens - carrego-os comigo
para onde eu vá,
juro que para mim é impossível livrar-me deles,
deles estou recheado e em troca eu os recheio.)

A terra a se expandir à direita e à esquerda,
pintura viva, cada ponto com sua luz melhor,
a música descendo onde faz falta e em silêncio
onde sua falta não se sente,
a álacre voz da estrada pública, a alegre e fresca
sensação da estrada.
Ó estrada que viajo, a mim dizes: - Não me deixes?
Dizes: - Não te aventures, se me abandonas
estás perdido!
Dizes: - Já estou preparada, sou bem batida
e refugada nunca, cinge-te a mim?
Ó estrada pública, eu respondo que não receio deixar-te,
embora goste de ti,
tu me expressas melhor do que me expresso eu mesmo,
hás de ser para mim mais do que meu poema.
Penso que feitos heróicos foram concebidos todos
a céu aberto,
também os poemas livres,
penso que aqui eu poderia parar e fazer milagres,
penso que eu hei de gostar de tudo que ache na estrada,
e quem quer que me observe há de gostar de mim,
e penso que se sentirá feliz toda pessoa que eu veja.

Allons! Quem quer que sejais, vinde viajar comigo!
Em viagem comigo encontrarei o que não cansa nunca.
A terra não cansa nunca,
a terra é rude, quieta, a princípio incompreensível,
a Natureza é rude e a princípio incompreensível,
não percais a coragem, continuai, existem coisas divinas
bem escondidas,
eu vos juro que existem coisas divinas mais belas
do que possam as palavras dizer.

Allons! Não devemos parar aqui,
por mais doces que sejam estas coisas arrumadas,
por mais conveniente que a habitação pareça,
não podemos permanecer aqui;
por mais abrigado que seja o porto e por mais calmas
as águas,
aqui nós não devemos ancorar;
por mais acolhedora que seja a hospitalidade
à nossa volta,
não nos é permitido desfrutá-la
senão por bem pouco tempo.
Ouvi-me! Serei honesto convosco:
não ofereço os macios prêmios de sempre,
mas ofereço ásperos prêmios novos.

Assim hão de ser os dias que vos devem suceder:
não acumulareis as chamadas riquezas,
distribuireis com mãos pródigas tudo o que adquirirdes
ou ganhardes,
mal chegarei à cidade à qual vos encaminháveis,
dificilmente vos estabelecereis visando satisfação
antes de vos sentirdes convocados
por um irresistível chamamento à partida,
deveis habituar-vos aos sorrisos irônicos e às zombarias
daqueles que deixardes para trás,
aos acenos de amor que receberdes apenas respondereis
com apaixonados beijos de despedida,
não consentireis o abraço daqueles
que vierem com mãos ávidas em vossa direção.
A vida na hora - Wislawa Szymborska
A vida na hora.
Cena sem ensaio.
Corpo sem medida.
Cabeça sem reflexão.
Não sei o papel que desempenho.
Só sei que é meu, impermutável.
De que se trata a peça
devo adivinhar já em cena.
Despreparada para a honra de viver,
mal posso manter o ritmo que a peça impõe.
Improviso embora me repugne a improvisação.
Tropeço a cada passo no desconhecimento das coisas.
Meu jeito de ser cheira a província.
Meus instintos são amadorismo.
O pavor do palco, me explicando,
é tanto mais humilhante.
As circunstâncias atenuantes me parecem cruéis.
Não dá para retirar as palavras e os reflexos,
inacabada a contagem das estrelas,
o caráter como o casaco às pressas abotoado-eis os efeitos deploráveis desta urgência.
Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira
antes ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!
Mas já se avisinha a sexta com um roteiro que não conheço.
Isto é justo-pergunto
(com a voz rouca
porque nem sequer me foi dado pigarrear
nos bastidores).
É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida
feita em acomodações provisórias. Não.
De pé em meio à cena vejo como é sólida.
Me impressiona a precisão de cada acessório.
O palco giratório já opera há muito tempo.
Acenderam-se até as mais longínquas nebulosas.
Ah, não tenho dúvida de que é uma estreia.
E o que quer que eu faça,
vai se transformar para sempre naquilo que fiz.
A ilha dentro da ilha
Um Polonês, provavelmente judeu, bebendo uma cerveja alemã diante de um supermercado que emprega nordestinos.
Uma cidade flutuante nadando em ouro e prata enquanto é observada do alto dos morros por traficantes ucranianos e russos vindos do oeste do estado e do estado vizinho - Paraná.Destas elevações ascendem diariamente descendentes de escravas que antes não eram escravas. Eram nobres e livres em Cabinda, em África.
Outros, novos no pedaço, ocupam empregos pífios hablando um francês particular, o Créole. São descendentes da primeira revolução negra das Américas. Haitianas e Haitianos trazidas por uma maré migratória pós terremotos que escancararam a história deste lugar. Um exército sem comandantes marchando diariamente "sob o olhar sanguinário do vigia" branco e assassino, enquanto este range os dentes, sentado numa poltrona, sempre que um pedaço de território branco é ocupado e aproveitado de fato.
Há de se esperar por outra revolta que rearranje esta história de saque e usurpação, pues. Uma revolta que virá pelo entendimento de que memória é revolução.
minha matéria
não é a ordem
minha matéria
não é a alegria
é o traço de um
grito
é o risco feio
sujo
RELAPSO
faço do meu vício
ilícito e sujo
o retrato
em florianópolis capital rola de pegar carona pra ir de algum bairro pra outro [é restrito, não é pra toda parte]. isso é legal, né? uma capital com essa coisa good vibe e ao mesmo tempo beat. lindeza. ultimamente, tenho saído do bairro onde tou pra onde devo ir com essas caronas. 20 minutos pro que seriam quase 40 no busão, e ainda rola de encontrar uma carona que tá escutando isso aqui, ó:
firmeza, né? a ilha fede e cheira bem ao mesmo tempo. amo esse lugar também.
não sei, lendo um artigo desses de facebook gourmet, fiquei sabendo que mais gente sente umas coisas como eu [o tão falado eu]. como é pra vocÊs? me siento totalmente absrvido por essa máquina aqui. tipo um truque chamado facetruque. a gente nem sabe mais a veracidade os fatos!
diante dessa paçoca toda, me sinto como um ser fora do tempo. nem no passado, nem no futuro, muito menos no aqui. é uma sensãção de não-lugar, mas não o não-lugar da gente marginalizada, é um nã0-lugar de flutuar. é quase como se o corpo não fosse corpo mais. como se restasse solamente o globo ocular e a tela. a tela azucrinada pela timeline. mil trechos e mil coisas lidos e nada fica, tudo passa.
é isso e repito, um ser que não tá aqui no presente, não tá lá no futuro e nem aqui no agora. uma doidera!
aposto que cê sente isso.
daí sinto uma irresistível vontade de dadaízar todo e qualqwer discurso. sinto como se tivesse armando uma vendetta que parte da inutilidade. ser inútil é resistir?
é isso e reputo, uma desordem caótica de tudo por conta dessa joça de vida virtual.
to meditando como remédio já que o estrago já tá feito. aceita se quiser, beibe. enfim, esse é meu discurso do eu de hoje. buenas!
uma das soluções pra artista pro contemporÂneo? Passar o chapéu, óbvio!
sem sombras não há profundidade
A vida também é um doce.
olhe só pra estas paredes,
não são a expressão das divindades que nos espreitam?
https://www.youtube.com/watch?v=dTrF8XWpcBA
pra ver a qualquer hora. quando o desejo de estrada te acometer. quando as paredes do teu quarto não te suportarem mais mandando-lhe ir à alhures, lembra, há gente boa no mundo. mesmo que a dúvida devido a falta de dinheiro te comova, vá para a estrada e saiba que o doce que saboreias agora é o mesmo veneno que te matará um pouco amanhã. destrone kerouac e fique somente com a intenção da estrada. saudações de verão.
Não sou Ninguém! Quem és tu?
Também – tu não és – Ninguém?
Somos um par – nada digas!
Banir-nos-iam – não sabes?
Mas que horrível – ser-se – Alguém!
Uma Rã que o dia todo –
Coaxa em público o nome
Para quem a admira – o Lodo.
Emily Dickson (1830 - 1886)