domingo, 24 de dezembro de 2017

(Nossos corpos - Denise Levertov)
Nossos corpos, ainda novos sob
a ansiedade gravada de nossas
caras, e inocentemente
mais expressivos que caras:
mamilos, umbigo, e pentelho
fazem de qualquer forma um
tipo de cara: ou levando
as sombras redondas ao
seio, traseiro, saco,
a dobrinha da minha barriga, o
oco da sua
virilha, como uma constelação,
como se inclina da terra ao
amanhecer num gesto de
brincadeira e
sábia compaixão-
nada como isto
vem a passar
em olhos ou bocas
abatidas.
Eu tenho
uma linha ou ranhura que amo
percorre
meu corpo do esterno
à cintura. Fala de
ansiedade, de
distância.
As suas longas costas,
a cor da areia e
como os ossos se expõem, diz
que céu após o pôr-do-sol
quase branco
sobre a profunda floresta à qual
as gralhas se dirigem, diz.
Saber o nome das coisas não é a garantia de que você as conhece. Isso a gente aprende com a vida, proseando e vivendo com gente amiga. Daí você vai aprendendo que de algumas coisas só se sabe o nome é de outras se sabe algo q não é o nome, algo q diz muito sobre a coisa. Algum conhecido da gente já escreveu sobre isso, mas não importa agora. O q importa é a certeza de que alguns lugares cultivam nomes, outros cultivam sementes e que também existe lugar cultivando tudo isso junto
Estou fora de tudo
Isso de estar dentro é só
Uma excusa
Minha boca está fora
O meu fígado azedo
Está fora.
Estou fora da razão,
Esta razão que domina.
Armadilha.
O real é um troço de bosta
Na cara do bom padre
Do bom cura
Do bom palavrório
O real é a mentira dos
Que acreditam ter razão
SOMA DE MALOGROS NOVES FORA TUDO - Thiago de Mello
Com o desperdício de cores,
selo o fim dos meus amores.
Amor pode ser começo
de si mesmo a cada instante.
Fico no fim que mereço.
Sei que perdi: me apostei
inteiro. Mas aprendi
que não dependo (e ninguém)
só de mim para me dar.
É repartido que posso
vir um dia a merecer
a flama ardendo serena,
que resolve a diferença
entre viver e morrer.
Sei que perdi. Mas ganhei.
um coração grande
vezes roto
vezes cândido
vezes lúcido
um coração pórtico
vezes trouxa
vezes cálido
vezes fora
nove vezes fora
um coração pecado
vezes sujo
vezes tomba
vezes fraco
um coração besta
vezes atroz
vezes boca
vezes tudo
nove vezes fora
todo coração não é um
noventa e nove vezes fora
outras tantas errático
posto
coração
de carne osso
e ferro
extrato do Grande sertão: veredas
As coisas que não tem hoje e ant'ontem amanhã: é sempre. Ai, arre, mas; que esta minha boca não tem ordem nenhuma. Guerras e batalhas? isso é como um jogo de baralho, verte e reverte.
As pessoas e as coisas não são na verdade. A vida disfarça. 
É e não é. O senhor ache e não ache. Tudo é e não é...Quase todo mais grave criminoso feroz, sempre é muito bom marido, bom filho, bom pai, e é bom amigo-de-seus-amigos! Sei desses
Só que tem os depois, e Deus junto. Vi muitas nuvens. Mire e veja: o mais importante e bonito, do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando.
Afinam e desafinam.
De Jorge de Sena para Sophia de Mello
Filhos e versos, como os dás ao mundo?
Como na praia te conversam sombras de corais?
Como de angústia anoitecer profundo?
Como quem se reparte?
Como quem pode matar-te?
Ou como quem a ti não volta mais?
Los que no danzan (Gabriela Mistral)
Una niña que es inválida
dijo: ?«¿Cómo danzo yo?»
Le dijimos que pusiera 
a danzar su corazón...
Luego dijo la quebrada:
?«¿Cómo cantaría yo?»
Le dijimos que pusiera
a cantar su corazón...
Dijo el pobre cardo muerto:
?«¿Cómo danzaría yo?»
Le dijimos: ?«Pon al viento
a volar tu corazón...»
Dijo Dios desde la altura:
?«¿Cómo bajo del azul?»
Le dijimos que bajara
a danzarnos en la luz.
Todo el valle está danzando
en un corro bajo el sol,
y al que no entra se le hace
tierra, tierra el corazón.
Palabras soñadas (Leonel Lienlaf - Poeta Mapuche)
Me adentro
en estos cantos de sueños,
dormitando cerca del fuego
mientras afuera
el viento
hace bailar las montañas
Pewma dungu
Konan tachi ulkantun pewmamu,
düngunpewmamu
chonkitunmew kachill kütral
Wekun ta kürrüf
pürulmekefi mawida
dura pouco isso daqui
osso dure mais
duro
Há algum tempo atrás alguém me disse que o gesto, quando bem escolhido, recupera o mundo. Outra voz vinda de algum canto rebateu:
- ou destrói.
Exatamente, respondemos. Realizar o gesto impossível é o que queremos.
Clarice disse: Pão é amor entre estranhos

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

existe uma alegria alucinada no sorriso de quem quase cai com a aceleração do ônibus. começa com um susto, rasga num ai! e se transforma em risada gostosa por ter conseguido se agarrar. quase cair.

primeiro os olhos crescem enlouquecidos no desequilíbrio inesperado. sucede um grito envergonhado pela possibilidade de queda logo transformado num riso gostoso, pois houve tempo de agarrar-se na estrutura interna do ônibus, esta máquina que corre e balança.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

É madrugada e me pergunto
quando perdemos a sensibilidade de ser?
É madrugada e me pergunto
quando perdemos a vontade de ser?
É madrugada e eu
Mudo.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

ceia de natal
sangria.
a imagem que lhes ofereço é a de uma faca e um talho. a imagem de uma melancia vermelha e gelada, sangrando doce sobre a mesa. seu suco viscoso molhando a toalha, aspergindo-se sobre o piso após sangrar como o veio de um rio novo que atravessa mesa. lhes ofereço a imagem das sementes desta melancia sendo trituradas por dentes quebradiços e velhos, dentes de um antigo pescador solitário e hábil. lhes ofereço os restos desta fruta. sua órbita colhida e desaparecida. ofereço a imagem oca desta melancia.
a imagem de cabeças: vazias, sobre a mesa.
viscosas.
um talho. uma faca. cabeças molhadas por um rio velho.
uma faca novamente, hábil e vermelha. lhes ofereço esta imagem, pescada entre os dentes. esta imagem e nada mais.
saúde
ao perder uma coisa
ganhou um trem,
longo louco e que apita
É ave rapaz
Sargaço nas veias,
Sorri uma boca bemaberta
quando defronte do golpe
Recebe e disfarça
na manha:
Sabe que há de chegar a hora:
O instantizinho fatal
sempre vem. Um átimo e pau.
Sorri essa mesma boca bemaberta
Enquanto aos montes
Outros sorriem impunemente;
Sabe que há de chegar o instantizinho, doce e fatal.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

num desses dias tenebrosos onde se quer estar longe, fora de qualquer lugar, tive um vislumbre; uma parede pálida e branca:arquitetura hospitalar, um flanco maciço, calabouço no qual eu me continha. Os olhos, nem tão maciços, rotos e emergentes de tanto querer ver o futuro, cansados e em estado de alerta pois [todo cuidado era pouco] carcomiam aquela fronteira fórmica e fria. Já não havia pedido de socorro, lágrima não existia, nada mais era real além daquela parede na penumbra. Éramos nós. Eu e o silêncio.
Num desses momentos em que tudo conflui numa torrente de atenção e zelo, não por hábito, mas devido as circunstâncias pantanosas da pausa forçada, sem conexão, sem wifi, sem serviço de quarto, sem sorriso por desejo de sorriso, sem nada além daquilo tudo que era estar concentrado naquilo que era tudo vi algo que não era luz nem sombra; aquilo não tinha nome, não tinha forma nem jeito muito menos sentido. aquilo poderia ser qualquer coisa menos alucinação. E mesmo que fosse, não haveria problema em reconsiderar o fato. Poderia ser uma constelação, uma luz azulada de nome Aleph, um tesouro, todas as relíquias, a fé humana, todas as Deusas, todos os demônios, todas as crenças menos as que matam por crueldade. O que vi era qualquer coisa de inexplicável, intangível, inefável. Vi aquilo como quem vê o todo com um senso de justiça tremendo; um senso não pertencente a mim.
O que vi me desintegrou. Foi minha sorte.
Hoje é o dia no qual escrevo sobre esta visagem simples e insólita: uma parede comum, impessoal e fria condensou por um instantezinho toda a vida e me salvou. me salvou sem dó e sem cobrar.
Agora é primavera, em algum lugar do país faz calor, aqui neste quarto corre um frio pequeno, em outro lugar há quem me sinta e não sabemos se nos alcançará a guerra, embora exista a guerra em cada parte. o amor também.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

pouquinho
quase nada
é o que nos diferencia
e esse pouquinho é
muito
pra gente ser só
um
estando muitos
por pouco tempo
o resto é
bobagem
valha-me 
senhor das ideias
com tantas verdades
não suporto mais 
nossas mentiras
mentira!
O mais precioso de mim, o atravessamento mais cortante, o objeto mais profano e sagrado, aquilo que muito me atravessou, o vislumbre mais feroz que tive nesta existência é impostável. IMPoSTáVEL. Sonhem com dominar os sentidos e os sentidos destruirão suas tentativas de ser o sonho: me disseram as gatas que aquecem minhas costas enquanto escrevo, me contou Borges.
As roupas que uso são emprestadas:
um estilo ganhado
A biblioteca é de livros alugados:
ideias passageiras
As viagens são feitas de teimosia:
A hospedagem é incerta
Minha casa não é minha:
Os canos vivem entupidos
Sim, sou um capeta endemoniado abrindo espaço em lugares onde dizem que eu não deveria estar. Sou um rasgo no céu, em sismo nas vísceras, uma incompreensível forma de vida desatada em ossos de ferro, carne de ferro, sangue grosso e muito desejo de engolir o mundo.

sábado, 9 de setembro de 2017

uma necessidade discursiva
apoderando-se de todos y todas
uma necessidade discursiva
também toma conta de mim
ela está sequestrada pela morte instantânea
ela está sequestrada pelo público ausente
uma necessidade discursiva
tomou forma e está encadenada
encadeada
encriptada por uma cadência vil
ela está sequestrada
o carcere é privado
a prisão é uma tela
nada pode com ela
nem mesmo o caderno sozinho
solitário
nem mesmo a ducha morna
sozinha e quente
solitária
nem mesmo a nota de geladeira
sozinha e branca
fria
pouquinho
quase nada
é o que nos diferencia
e esse pouquinho é
muito
pra gente ser só
um
estando muitos
por pouco tempo
o resto é
bobagem
valha-me 
senhor das ideias
com tantas verdades
não suporto mais 
nossas mentiras
mentira!

domingo, 20 de agosto de 2017

esgotado o termo
em um vigoroso aprouch, aprendi.

sabe-se que nas cercanias nada consta, nem mesmo um rosto espremido por soar seriedade.

entre tudo isso,
as fabulas dormem
os discursos cansam
e os gestos dos que tem tudo
mentem.

percorri um pouco mais do espaço
notando o movimento:
cada corpo era um barco
cada boca um engano

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

regressei deixando pra trás rumores de desafetos e gestos atrozes.

sabe quando o sonho é vão?
então!
sobrou certo amor-certo
não que haja arrependimento,

me escapo gostoso só de lembrar.

o lance é outro.

subiu pelas costas um vento sem dono
agitando a marola da vida
subindo a maré.

mostrando que a vida
se cata
é com a verdade que coça
bem de mansinho
numa

então!

se liga
que eu não fujo da raia
nado de braçada
sempre que me rogo
a ser solto
dentro de você

sábado, 27 de maio de 2017

Me quedo entre os não-o-quês da vida e as guerrinhas indizíveis entre girassóis
de manhã acordo com o fel do sonho ébrio que é luta selvagem e cortante
de tarde, na hora do almoço, como sorrisos na fila de espera
ali pelo lanche da tarde, passo a faca no abraço apertado de gente amiga
na penumbra do ocaso peço socorro ao baile-pássaro de quem transita em retorno
na noite me lambo como cão quente de inverno.


Tiago Ferreira
O relevo dos nós em mim causa frisson nos eutros revelados no encontro de meus personagens.
Instantes de Polaroid que aparecem macio, despacito noscorações colhidos em nuvens de cabeceira,
em ecos de becos e bocas costurados pelo prazer de ser o que se quer ser.

domingo, 30 de abril de 2017

dia das mulheres

no dia de hoje só consigo pensar no machismo que me fode a vida e no tanto que ele fez eu ser um idiota com mulheres. não espero aplauso por isso, não espero curtidas por isso. as vezes penso que não é possível existir mais como homem neste mundo. quero conseguir renunciar ao desejo de ter sucesso profissional, quero conseguir renunciar ao medo de ser afetuoso com outros homens, quero renunciar a estupidez, quero conseguir renunciar a prepotência, quero conseguir renunciar a insensibilidade, quero conseguir renunciar ao medo do afeto, quero renunciar a cobrança cobrança social de ser o pior tipo de macho. agradeço a todas as mulheres que me tocaram nesta vida (mãe, irmãs, tias, avó, amigas e namoradas). me envergonho por ter sido um otário em vários momentos. mais uma vez, não espero aplausos, não espero curtidas. é só um depoimento e um expurgo de mim mesmo. só agradeço a mulher que topou criar uma vida comigo: ela me mostrou a vida, me mostrou outra forma de enxergar o mundo, me mostrou outros caminhos. atravessamos dificuldades neste momento, porém, o que mais quero é poder conservar uma amizade por toda a vida com esta mulher. todas estas mulheres são minhas mestras e por muito tempo neguei, escondi isso de mim.
sinto tristeza e vergonha ao ver homens com medo de homens quando entram no banheiro, homens com medo de homens quando conversam, homens com medo de homens quando brigam. homens necessitam se impor de um jeito violento, homens se mostram muito machos por medo de se mostrarem sensíveis para outros homens. sinto raiva quando vejo homens conversando com homens. homens quando se juntam podem ser muito escrotos. mais uma vez. sinto raiva por eu ser tão insensível e medroso em tantos momentos. fodam-se os aplausos!
bom mesmo é poder agradecer, ser agradecido, agradecer homens e mulheres sem haver no fundo raso uma espécie de lastro de qualquer outra coisa que não diga respeito a humanidade de cada pessoa. homens tendem a colocar a frente do diálogo uma camada, poeira, crosta de libido e interesses outros com o intuito de seduzir, emaranhar, envolver. não quero dizer que todo homem faça isso, quero reafirmar que é uma tendência ensinada em casa, nas ruas, nas escolas.
Goiânia [cidade do chão vermelho]:
Salgado - 1,75 reais
Água - 2,00 reais
Três Pães de Queijo - 1,00 real
Barra de Chocolate no ônibus - 1,00 real
Dois abacates por 5 reais
Um litro de Pequi por 8 reais
Um litro de amendoim na casca por 5 reais
duas histórias que me contaram nos ônibus de Goiânia:
1) o filho do sambista Cartola é pastor e vereador no município de Aparecida de Goiânia;
2) uma moça pianista de Vitória da Conquista (BA) é irmã de um rapaz que estudou violão com o Elomar.
e se nos propusessemos a despersonalizar nossos perfis virtuais? a combater a felicidade de mercado, a chacoalhar o retrato, a propagar o desengano...essa seria uma camada enganosa ou em harmonia com o que se sente no séc xxi? essa via aqui parece ser o labirinto do minotauro e ninguém parece ter a força de teseu. há quanto tempo vcs não caminham a pé sem se importar com o navegar, viajantes en linha? a fluidez pós-moderna existe, mas também morre na boca do haitiano que delíra descalço no centro de florianópolis de modo muito objetivo: o governo de santa catarina roubou minha moto, dizia ele com orbita dos olhos afundadas num pântano. essa vida multi-informacional é um jogo pra nos enganar. estamos informados, porém, o contato com o oxigênio lá de fora é que incendeia os corações. o resto é produção de anestesia por excesso e de sorriso pelo triste. vou ali encontrar os meus. bom dia.
O DELÍRIO DE UM CONSTRUTOR
Olha só o que ouvi hoje de um construtor que me deu carona. O tipo me disse que vai sair do Brasil. Aqui não dá mais pra ele. Toda essa roubalheira é viciosa e é impossível fazer com que políticos larguem a faca e o queijo que seguram na mão. Impossível! Este senhor disse que tem um plano: vai mudar para São Thomé e Príncipe, ilha situada em África que esteve sob domínio português até 1970, data da independência daquele conjunto de ilhas que forma um país. Quais os benefícios destacados por ele? Primeiro, é um paraíso tropical situado na linha do equador que recebe milhares e milhares de europeus. No entanto, a infra-estrutura ainda é deficitária, no que ele está armando um super-plano de mudar-se pra lá para cultivar cacau e exportar chocolate pro mundo todo, engarrafar água de coco para mandar pra europa e cultivar maconha. Isso mesmo, Maconha! De olho na tendência mundial, espera convencer o governo da ilha de lá a legalizar a paradinha ao mostrar os lucros holandeses com a ervinha do capeta. kkkkk! Este mesmo senhor de bem disse que irá levar um planejamento urbano muito bom para lá, diga-se de passagem, sustentável e ecológico. kkkkkkk. aí vem a bomba! Sr. Fernando (nome dele) contou que o único lugar que deu certo em Florianópolis é Jurerê Internacional e que o foda é lidar com os corruptos do IBAMA, da FATMA e de um outro órgão que não me lembro o nome. O doutor aí tem um terreno de 40 milhões de reais naquele lugar e não teve alvará para construir um big condomínio ecológico por conta de um "pássaro de merda" que tá em extinção no mundo todo (essas foram as palavras dele). O tal pássaro é o cantador de nome Pixoxó. Depois de contratar um grande escritório que avalia impactos ambientais para defendê-lo, recebeu outra negativa do IBAMA devido a presença de bromélias raras no terreno. (bem feito, digo rindo por dentre enquanto ouço!!!!). Só que aí vem uma outra treta: Sr. Fernando falou que o mesmo diretor que o impediu de construir no terrenão de 40 milhão foi preso meses depois por venda de licenças para grandes empresas pescadoras de tainha. Que nó é esse, meu povo?! Delírios de um construtor em crisa!!!!!
vive de pequenos furtos cometidos em supermercados
rouba ácidos para descongestionar o sábado
rouba o fermento que cresce o pão
rouba o doce do mel
rouba lápis para apontamentos
rouba mordidas de sonhos antigos
rouba o fogo das máquinas de assar frango
vive só nos terminais a desfilar pelas veredas de ônibus com uma bicicleta
seu rosto é sério e triste
tem pouca idade
perdeu alguns dentes
sonha em voltar para Criciúma
enquanto caminha solitário pela avenidade de restaurantes lotados
vive de pequenas esmolas e puro desejo de ser livre sem saber por onde começar.

sexta-feira, 3 de março de 2017

hoje cheguei
todas as janelas abertas
as portas escancaradas
sorrateiro
entrei com medo de mim
apalpando as frestas
encontrei
no vão da casa que ergui
abelhas esperando a chuva
para fazer
mel
sorri
uma bocabem aberta
quase bemapavorada
que sorrindo cessou
de subito
as notícias não eram boas
com tantos espancamentos
como posso colher
mel
na brecha
do
muro?
sequei
soquei a tela
e acabei parado
pesaroso
sem saber até onde
dura
nosso futuro
s o c o r r o
soltaram o b r u n o
mataram o m e n i n o
espancaram as m a n a s
sem fim

quarta-feira, 1 de março de 2017

plantar bananeira todos os dias é um bom jeito de desenfracassar a mente, de evitar trombose e de reverenciar uma resistência secular. cabeça pra baixo é o que há!
é um jeito de desembestar, de desamarrar mau-olhado, de traquinar o tempo, de desassossegar o sossego, de cair pronto pra briga, de esticar o corpo ao contrário, de desaprumar o que não tem remédio. cabeça pra baixo é o que há!

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

quintal de casa

chagas por todo o corpo
pele podre
dentes sujos
boca amarga
é a festa da carne solta
é a festa da carne fresca
é a festa da carne sórdida
pragas por todo mundo
pêlo prata
gente imunda
lingua ácida
é a festa da gente pobre
é a festa da gente louca
é a festa da gente rouca
sanha sanha sanha
sexo sexo sexo
suor suor suor
três vezes repetido
três vezes repentino
três vezes refletindo
é um nó

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

O MURO (Pedro Kilkerry)
Movendo os pés doirados, lentamente,
Horas brancas lá vão, de amor e rosas
As impalpáveis formas, no ar, cheirosas.. . .
Sombras, sombras que são da alma doente!
E eu, magro, espio... e um muro, magro, em frente
Abrindo á tarde as órbitas musgosas
— Vazias? Menos do que misteriosas —
Pestaneja, estremece. . . O muro sente!
E que cheiro que sai dos nervos dele,
Embora o caio roído, cor de brasa,
E lhe doa talvez aquela pele!
Mas um prazer ao sofrimento casa. . .
Pois o ramo em que o vento á dor lhe impele
É onde a volúpia está de urna asa e outra asa. . .
“Se fizesse silêncio o tumulto da carne…
…e silenciassem as imagens da terra, das águas e dos ares, e até mesmo dos céus, e a própria alma se superasse, não pensando mais em si (silêncio também nos sonhos e na imaginação); se todas a línguas e todos os signos e tudo o que não se produz senão de passagem fizessem silêncio absoluto, pois, se pudéssemos ouvi-los, diriam:
“Não fomos nós que nos fizemos a nós mesmos, e sim aquele permanentemente eterno” e se então se calassem, pois ouriçaram os nossos ouvidos para aquele que os fez, e se ele próprio falasse sozinho, não pelas coisas todas, mas por conta própria, de modo que ouvíssemos o seu verbo, não pela língua da carne ou pela voz dos anjos, não pelo estrondo das nuvens ou o enigma das parábolas, mas por ele mesmo, que amamos em tudo aquilo…”

Décio Pignatari

domingo, 12 de fevereiro de 2017

minha mãe Margarida fez esse cordel sobre uma possível viagem à sua terra natal, Amargosa (BA), depois mais de 40 anos de sua saída sem nunca ter voltado.
Chegando lá me identifico:
Sou Maria, filha de Flávio Francisco e Alzira Santana Ferreira.
Vim buscar minhas origens 
pra prosseguir minha carreira.
Só vocês pra me mostrar onde tudo começou,
minha vida primeira.
De onde vem minhas inquietações de origem,
se é da europa ou de terras indígenas,
qual dessas duas ainda pulsa em mim
como principal herdeira.
É um amor essa Maria Margarida de Ferro <3 span="">
Canção da Estrada Aberta (Walt Whitman)
A pé e de coração leve eu enveredo pela estrada aberta,
saudável, livre, o mundo à minha frente,
o longo atalho pardo à minha frente para levar-me
aonde eu queira.
Daqui em diante não peço mais boa-sorte, boa-sorte
sou eu mesmo.
Daqui em diante eu não lamento mais, eu não adio mais,
Não careço de nada;
acabei com as queixas portas adentro, bibliotecas,
críticas rixentas;
forte e contente vou eu pela estrada aberta.

A terra é quanto basta:
não quero as constelações nem um pouco
mais próximas,
sei que estão muito bem onde se encontram
e sei que bastam para os que a elas pertencem.
(Ainda aqui eu carrego minhas antigas cargas
de delícias;
carrego - mulheres e homens - carrego-os comigo
para onde eu vá,
juro que para mim é impossível livrar-me deles,
deles estou recheado e em troca eu os recheio.)

A terra a se expandir à direita e à esquerda,
pintura viva, cada ponto com sua luz melhor,
a música descendo onde faz falta e em silêncio
onde sua falta não se sente,
a álacre voz da estrada pública, a alegre e fresca
sensação da estrada.
Ó estrada que viajo, a mim dizes: - Não me deixes?
Dizes: - Não te aventures, se me abandonas
estás perdido!
Dizes: - Já estou preparada, sou bem batida
e refugada nunca, cinge-te a mim?
Ó estrada pública, eu respondo que não receio deixar-te,
embora goste de ti,
tu me expressas melhor do que me expresso eu mesmo,
hás de ser para mim mais do que meu poema.
Penso que feitos heróicos foram concebidos todos
a céu aberto,
também os poemas livres,
penso que aqui eu poderia parar e fazer milagres,
penso que eu hei de gostar de tudo que ache na estrada,
e quem quer que me observe há de gostar de mim,
e penso que se sentirá feliz toda pessoa que eu veja.

Allons! Quem quer que sejais, vinde viajar comigo!
Em viagem comigo encontrarei o que não cansa nunca.
A terra não cansa nunca,
a terra é rude, quieta, a princípio incompreensível,
a Natureza é rude e a princípio incompreensível,
não percais a coragem, continuai, existem coisas divinas
bem escondidas,
eu vos juro que existem coisas divinas mais belas
do que possam as palavras dizer.

Allons! Não devemos parar aqui,
por mais doces que sejam estas coisas arrumadas,
por mais conveniente que a habitação pareça,
não podemos permanecer aqui;
por mais abrigado que seja o porto e por mais calmas
as águas,
aqui nós não devemos ancorar;
por mais acolhedora que seja a hospitalidade
à nossa volta,
não nos é permitido desfrutá-la
senão por bem pouco tempo.
Ouvi-me! Serei honesto convosco:
não ofereço os macios prêmios de sempre,
mas ofereço ásperos prêmios novos.

Assim hão de ser os dias que vos devem suceder:
não acumulareis as chamadas riquezas,
distribuireis com mãos pródigas tudo o que adquirirdes
ou ganhardes,
mal chegarei à cidade à qual vos encaminháveis,
dificilmente vos estabelecereis visando satisfação
antes de vos sentirdes convocados
por um irresistível chamamento à partida,
deveis habituar-vos aos sorrisos irônicos e às zombarias
daqueles que deixardes para trás,
aos acenos de amor que receberdes apenas respondereis
com apaixonados beijos de despedida,
não consentireis o abraço daqueles
que vierem com mãos ávidas em vossa direção.
A vida na hora - Wislawa Szymborska
A vida na hora.
Cena sem ensaio.
Corpo sem medida.
Cabeça sem reflexão.
Não sei o papel que desempenho.
Só sei que é meu, impermutável.
De que se trata a peça
devo adivinhar já em cena.
Despreparada para a honra de viver,
mal posso manter o ritmo que a peça impõe.
Improviso embora me repugne a improvisação.
Tropeço a cada passo no desconhecimento das coisas.
Meu jeito de ser cheira a província.
Meus instintos são amadorismo.
O pavor do palco, me explicando,
é tanto mais humilhante.
As circunstâncias atenuantes me parecem cruéis.
Não dá para retirar as palavras e os reflexos,
inacabada a contagem das estrelas,
o caráter como o casaco às pressas abotoado-eis os efeitos deploráveis desta urgência.
Se eu pudesse ao menos praticar uma quarta-feira
antes ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!
Mas já se avisinha a sexta com um roteiro que não conheço.
Isto é justo-pergunto
(com a voz rouca
porque nem sequer me foi dado pigarrear
nos bastidores).
É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida
feita em acomodações provisórias. Não.
De pé em meio à cena vejo como é sólida.
Me impressiona a precisão de cada acessório.
O palco giratório já opera há muito tempo.
Acenderam-se até as mais longínquas nebulosas.
Ah, não tenho dúvida de que é uma estreia.
E o que quer que eu faça,
vai se transformar para sempre naquilo que fiz.
A ilha dentro da ilha
Um Polonês, provavelmente judeu, bebendo uma cerveja alemã diante de um supermercado que emprega nordestinos.
Uma cidade flutuante nadando em ouro e prata enquanto é observada do alto dos morros por traficantes ucranianos e russos vindos do oeste do estado e do estado vizinho - Paraná.Destas elevações ascendem diariamente descendentes de escravas que antes não eram escravas. Eram nobres e livres em Cabinda, em África.
Outros, novos no pedaço, ocupam empregos pífios hablando um francês particular, o Créole. São descendentes da primeira revolução negra das Américas. Haitianas e Haitianos trazidas por uma maré migratória pós terremotos que escancararam a história deste lugar. Um exército sem comandantes marchando diariamente "sob o olhar sanguinário do vigia" branco e assassino, enquanto este range os dentes, sentado numa poltrona, sempre que um pedaço de território branco é ocupado e aproveitado de fato.
Há de se esperar por outra revolta que rearranje esta história de saque e usurpação, pues. Uma revolta que virá pelo entendimento de que memória é revolução.
minha matéria
não é a ordem
minha matéria
não é a alegria
é o traço de um
grito
é o risco feio
sujo
RELAPSO
faço do meu vício
ilícito e sujo
o retrato
em florianópolis capital rola de pegar carona pra ir de algum bairro pra outro [é restrito, não é pra toda parte]. isso é legal, né? uma capital com essa coisa good vibe e ao mesmo tempo beat. lindeza. ultimamente, tenho saído do bairro onde tou pra onde devo ir com essas caronas. 20 minutos pro que seriam quase 40 no busão, e ainda rola de encontrar uma carona que tá escutando isso aqui, ó:
firmeza, né? a ilha fede e cheira bem ao mesmo tempo. amo esse lugar também.
não sei, lendo um artigo desses de facebook gourmet, fiquei sabendo que mais gente sente umas coisas como eu [o tão falado eu]. como é pra vocÊs? me siento totalmente absrvido por essa máquina aqui. tipo um truque chamado facetruque. a gente nem sabe mais a veracidade os fatos!
diante dessa paçoca toda, me sinto como um ser fora do tempo. nem no passado, nem no futuro, muito menos no aqui. é uma sensãção de não-lugar, mas não o não-lugar da gente marginalizada, é um nã0-lugar de flutuar. é quase como se o corpo não fosse corpo mais. como se restasse solamente o globo ocular e a tela. a tela azucrinada pela timeline. mil trechos e mil coisas lidos e nada fica, tudo passa.
é isso e repito, um ser que não tá aqui no presente, não tá lá no futuro e nem aqui no agora. uma doidera!
aposto que cê sente isso.
daí sinto uma irresistível vontade de dadaízar todo e qualqwer discurso. sinto como se tivesse armando uma vendetta que parte da inutilidade. ser inútil é resistir?
é isso e reputo, uma desordem caótica de tudo por conta dessa joça de vida virtual.
to meditando como remédio já que o estrago já tá feito. aceita se quiser, beibe. enfim, esse é meu discurso do eu de hoje. buenas!
uma das soluções pra artista pro contemporÂneo? Passar o chapéu, óbvio!
sem sombras não há profundidade
A vida também é um doce.
olhe só pra estas paredes,
não são a expressão das divindades que nos espreitam?
https://www.youtube.com/watch?v=dTrF8XWpcBA
pra ver a qualquer hora. quando o desejo de estrada te acometer. quando as paredes do teu quarto não te suportarem mais mandando-lhe ir à alhures, lembra, há gente boa no mundo. mesmo que a dúvida devido a falta de dinheiro te comova, vá para a estrada e saiba que o doce que saboreias agora é o mesmo veneno que te matará um pouco amanhã. destrone kerouac e fique somente com a intenção da estrada. saudações de verão.
Não sou Ninguém! Quem és tu?
Também – tu não és – Ninguém?
Somos um par – nada digas!
Banir-nos-iam – não sabes?
Mas que horrível – ser-se – Alguém!
Uma Rã que o dia todo –
Coaxa em público o nome
Para quem a admira – o Lodo.
Emily Dickson (1830 - 1886)